Mitos da Busca e Apreensão de Veículos | Parte II




Parte II


Agora que você já viu os primeiros mitos, vamos continuar?





4 – Os bancos só podem entrar com busca e apreensão depois de três parcelas em atraso 

– Essa também é uma lenda urbana que foi se formando com o tempo. E se formou porque na prática, a partir de 90 dias de atraso, os bancos passam a dar um outro tratamento aos contratos, o nível de provisão aumenta, etc. O cálculo do nível de inadimplência leva em conta o que tem menos de 90 dias de atraso e o que tem mais de 90 dias.

Por essa razão, como regra, os bancos tentam de toda maneira resolver amigavelmente antes dos 90 dias. Aliás, essa é uma boa dica de negociação. Se você tem chance de botar em dia seu contrato, a chance de conseguir uma condição mais favorável (dispensando multa, juros de mora, OU a comissão de permanência, lembra do item anterior?) aumenta quando se está quase chegando nos 90 dias de atraso.

Mas isso não é uma regra fixa. De acordo com o contrato que você assinou, e de acordo com a lei que regula a busca e apreensão, nada impede que o banco entre com a ação para pegar seu carro no dia seguinte ao do vencimento da primeira parcela. CLARO que isso não é comum. E CLARO, também que, entre o dia que o banco decide ajuizar sua ação e o dia que o oficial de justiça vai bater na sua porta, geralmente leva um tempão, salvo exceções (seja por agilidade do foro, o que é meio raro, seja por “interesses” que a gente ouve que existem, e que fazem as coisas andarem mais rápido). Eu já vi ação de busca e apreensão ajuizada e no mesmo dia o juiz dá a liminar, o mandado é expedido e o bem é apreendido.

Mas como regra (lembra que admite exceção) eu diria que entre o dia que você atrasa a primeira parcela e o dia que o seu carro vai ser apreendido, pode-se levar uns quatro meses. Mas fica esperto. Ficou devendo, já começa a procurar aconselhamento sério, porque esse prazo pode ser menor.

Outra coisa importante, e que vamos falar mais nos próximos itens, é que antes de entrar com a ação, o banco precisa te notificar formalmente do atraso. 

Até novembro de 2014, a notificação tinha que ser através do Cartório de Títulos e Documentos. Agora simplificou, basta que o banco te mande uma carta registrada, e qualquer pessoa no teu endereço pode assinar.

Veja o exato texto da lei:

“A mora decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registrada com aviso de recebimento, não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário.”

Chama-se a isso a “notificação para constituição em mora.” É um requisito formal para que o juiz possa autorizar a busca e apreensão do teu bem.

Então, entre ficar inadimplente, o banco notificar formalmente o devedor (constituição em mora), entrar com a ação e apreender o bem, VIA DE REGRA, você tem uns meses para respirar e se reorganizar.


5 – A notificação para busca e apreensão tem que ser de um cartório da cidade do devedor 

– Essa é uma discussão que já está superada. Antes da lei 13.043, de novembro de 2014, se discutia se a notificação tinha que ser feita pelo cartório da cidade do devedor.

A justiça já tinha decidido que podia ser a partir do cartório de qualquer cidade. Portanto, se você tem alguma ação judicial em que este é um dos argumentos, saiba que suas chances são mínimas.

E a partir de novembro de 2014, basta que o banco te mande uma carta registrada, com aviso de recebimento, conforme falei no item anterior. Se qualquer pessoa no seu endereço receber a correspondência, o banco já pode entrar com a ação de busca e apreensão.

Portanto, essa questão de qual cartório emitiu a notificação deixou de ser importante.
  • Primeiro, porque mesmo se você tivesse recebido cartinha, originária de um cartório do interior do Ceará por exemplo, e se alguém na sua casa ou no seu prédio tivesse assinado, estava valendo. 
  • Segundo, porque agora basta uma simples correspondência, direto do banco, para constituí-lo em mora e autorizar o banco a ajuizar a ação. 


Não se iluda, quem te disser diferente disso ou está mal informado, ou está querendo tomar o seu dinheirinho!

6 – Enquanto eu não receber a notificação eu posso ficar tranquilo 

– outro erro muito comum. Ora, se para fazer a busca e apreensão o banco precisa me notificar primeiro, é só eu me esconder, e orientar as pessoas para não receberem nem assinarem nada que venha para mim, que eu estou salvo. Certo? Errado!

Pois se pensas assim estás redondamente enganado, lamento informar.

Até a recente alteração legislativa, o banco podia lançar mão de três tipos de notificação: 
(I) Por carta; (II) Pessoal; e (III) Por edital. A primeira é a mais barata e ainda segue valendo. Se não te achavam, partiam para a notificação pessoal. Um oficial do cartório tentava te achar em casa. Mas se mesmo assim não te achassem, eles podiam te notificar por edital. Ou seja, eles levam a protesto o teu contrato, e publicam um edital em jornal da tua cidade, segundo regras preestabelecidas para isso.

Porém, desde novembro de 2014, como não precisa da assinatura do devedor na carta registrada, em tese é possível seguir com a busca e apreensão mesmo que o correio devolva como “ausente”, por exemplo.

Uma coisa é certa: essa recente alteração na lei veio para facilitar a busca e apreensão. Diversos outros artigos da lei, que não vêm ao caso agora, mostram isso. Então, se antes o banco já podia entrar com a ação se não te encontrasse, agora mais ainda. É bem possível que a justiça passe até mesmo a dispensar a notificação por edital.

Portanto, se esconder pode até dar um pouco mais de trabalho para eles, e adiar um pouco a apreensão, mas não a evita.

7 – Se eu depositar o valor que entendo devido a busca e apreensão tem que ser suspensa 

– Por fim, um ponto que em alguns casos até funciona, mas que não pode ser considerado uma garantia em todos os casos.

Antigamente, bastava entrar com a ação revisional para discutir os juros, e os juízes, com raras exceções, impediam o banco de apreender o carro e de colocar o nome do cliente no SERASA, SPC e afins. Depois, a coisa foi apertando, e alguns exigiam que depositasse em juízo o que estava vencido.

Desde 2008, quem estuda a sério o assunto conhece o famoso julgamento da Ministra Nancy Andrigui, que diz o seguinte:

A abstenção da inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes, requerida em antecipação de tutela e/ou medida cautelar, somente será deferida se, cumulativamente: i) a ação for fundada em questionamento integral ou parcial do débito; ii) houver demonstração de que a cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do STF ou STJ; iii) houver depósito da parcela incontroversa ou for prestada a caução fixada conforme o prudente arbítrio do juiz (REsp 1061530/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/10/2008.

Ou seja, depositar o valor que entende devido (incontroverso) é apenas o terceiro dos requisitos para obter liminar na revisional (a decisão fala em não botar o nome no SERASA, mas na prática, atendidos os requisitos, na maioria das vezes se suspende também a busca e apreensão).

O problema é o segundo requisito: “houver demonstração de que a cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do STF ou STJ“. 

Ora, a gente viu nos itens acima que o banco pode cobrar mais de 12% ao ano, que pode cobrar juro sobre juro, que pode cobrar comissão de permanência, que pode te notificar apenas te mandando uma carta com AR, etc. Ou seja, na maioria dos casos, o que o banco está cobrando está correto. Então fazer a prova de que tem cobrança indevida nem sempre é fácil!

Então, o que interessa: não basta somente depositar o que o seu advogado disse que é devido. A chance de conseguir uma liminar até existe, porque alguns juízes não aplicam à risca o julgado da Ministra Nancy Andrigui. Mas a maioria dos tribunais estaduais o aplica, e aí o devedor está em apuros. Portanto, uma vez mais, desconfie de quem promete que não tem erro.

CONCLUSÃO

Neste post, eu procurei desfazer os 7 mitos mais comuns quando se trata de busca e apreensão de carro financiado. Você pode ver que, ao contrário do que alguns profissionais alardeiam:

  • Os bancos podem cobrar juros acima de 12% ao ano;
  • Os bancos podem cobrar juros sobre juros (capitalização mensal);
  • A comissão de permanência é legal, dentro de certos critérios;
  • Os bancos podem entrar com busca e apreensão a partir do primeiro dia de atraso, ainda que isso não seja muito comum;
  • A notificação para busca e apreensão pode ser feita por meio de carta enviada diretamente pelo banco;
  • O banco pode te notificar por edital;
  • Só depositar o valor que se entende devido não é garantia de suspensão da ação de busca e apreensão.


O meu objetivo é prevenir que pessoas acabem tendo ainda mais prejuízos, gastando com serviços advocatícios que não lhes ajudaram em nada, correndo o risco de ver o seu carro apreendido, e ainda tendo que pagar mais uma série de valores (legalmente corretos) por terem recebido uma orientação equivocada.

A gente pode até discutir se as decisões judiciais são justas, se são corretas, etc. Isso é matéria para outro post. Para o que importa aqui, o fato é que o Poder Judiciário tem decidido assim, e lutar contra isso é pura perda de tempo e dinheiro.

Aí você me pergunta: o que fazer então? Existe solução? Claro que existe. O caminho é mais apertado, mas sempre existe solução. Só que isto é assunto para outro post. Fique atento estarei falando sobre isso o mais rápido possível.



Até breve!
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Fonte: IbiJus- Instituto Brasileiro de Direito
Por Márcio dos Santos Vieira em 14/03/2016 16:09

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