Deficiente visual tem direito à isenção de ICMS e IPVA na aquisição de veículo.

A Fazenda Estadual alegou que a isenção não poderia ser concedida, já que o condutor seria o esposo da autora, e o benefício é previsto em lei apenas para condutores portadores de alguma deficiência. A autora destacou que necessita do veículo para suprir sua necessidade de transporte, sendo certo que, pela sua condição pessoal, tem direito à isenção. A Fazenda Estadual afirmou que por não haver previsão expressa, o pedido da autora é impossível. Entretanto, o magistrado destacou:

“A Norma Legal garante ao deficiente físico a isenção do IPVA para aquisição de automóvel destinado à locomoção própria e o fato de nela constar que o veículo deve ser conduzido pelo beneficiado não afasta o direito daquele que não tem condição física de dirigir. Friso que a razão de ser da isenção legal em relação ao IPVA e ao ICMS está no ensejar melhores condições de integração do deficiente físico e maior disponibilidade financeira para fins de tratar-se segundo as necessidades determinadas por sua especial condição, se houver. E também por óbvio que há merecer ainda maior proteção o portador de deficiência que, pela acentuada gravidade de sua patologia, nem mesmo se encontra capaz de conduzir o próprio veículo automotor.”

Merece destaque a decisão do magistrado que declarou o direito da autora à isenção do ICMS e IPVA, pois é óbvio que uma pessoa com deficiência visual no estágio da autora, necessita de alguém que conduza o veículo, e nem por isso deve ter seu direito à isenção afastado.

Confira abaixo a decisão na íntegra (os nomes das partes foram substituídos pelas iniciais).

 

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 

COMARCA DE PRAIA GRANDE

FORO DE PRAIA GRANDE

VARA DA FAZENDA PÚBLICA

AV. DR. ROBERTO DE ALMEIDA VINHAS, 9101, Praia Grande – SP – CEP 11705-090

SENTENÇA 

Processo Digital nº: 1004551-11.2015.8.26.0477 

Classe – Assunto Procedimento Ordinário – Exclusão – ICMS 

Requerente: J. G. d. S. 

Requerido: Fazenda Publica do Estado de São Paulo 

Justiça Gratuita

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Rodrigo Martins Faria 

Vistos.

J. G. D. S. ajuizou ação declaratória de inexistência de relação jurídica tributária com pedido de tutela antecipada contra a FAZENDA PÚBLICA D ESTADO DE SÃO PAULO, alegando, em resumo, que é portadora de deficiência visual e para suprir suas necessidades é necessária a aquisição de um veículo para seu transporte, sendo certo que, pela sua condição pessoal, tem direito à isenção de IPI, ICMS e IPVA; entretanto, referida isenção não lhe foi concedida sob o argumento de que não há previsão legal, já que o benefício é previsto somente para os condutores deficientes e no seu caso o veículo seria conduzido pelo esposo.

A tutela antecipada foi concedida (fl.18/19) e posteriormente julgado extinto o feito com relação ao pedido de isenção do IPI (fl.28), por decisões não impugnadas.

Na contestação a Fazenda do Estado alegou que o pedido é juridicamente impossível, já que não há disposição legal que dê respaldo à pretensão da autora; no mérito, argumentou que a isenção legal tem por objetivo compensar os gastos com a modificação e adaptação dos veículos para os portadores de necessidades especiais e pensar de forma diversa seria dar tratamento vantajoso para quem não pretende dispor de recursos para essas modificações. Pleiteou a improcedência da ação.

É o relatório.

FUNDAMENTO E DECIDO.

A preliminar de impossibilidade jurídica do pedido confunde-se com o mérito da ação e com ele será analisada.

A Norma Legal garante ao deficiente físico a isenção do IPVA para aquisição de automóvel destinado à locomoção própria e o fato de nela constar que o veículo deve ser conduzido pelo beneficiado não afasta o direito daquele que não tem condição física de dirigir.

Friso que a razão de ser da isenção legal em relação ao IPVA e ao ICMS está no ensejar melhores condições de integração do deficiente físico e maior disponibilidade financeira para fins de tratar-se segundo as necessidades determinadas por sua especial condição, se houver.

E também por óbvio que há merecer ainda maior proteção o portador de deficiência que, pela acentuada gravidade de sua patologia, nem mesmo se encontra capaz de conduzir o próprio veículo automotor.

A propósito, é de se ter em mente no presente caso o que dispõe o art. 5º da LINDB, segundo o qual “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.

Aliás, é esse o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que já apreciou inúmeros casos análogos, valendo a transcrição do Venerando Acórdão prolatado por ocasião do julgamento da Apelação nº 0020683-92.2012.8.26.0047, da Relatoria do Eminente Desembargador Oswaldo Magalhães, em 10 de março de 2014:

“A matéria em discussão não é nova, havendo inúmeros precedentes desta Corte pela admissibilidade do pedido formulado pelo impetrante. 

Nesse sentido, o decidido na Apelação Cível nº 0610492-62.2008.8.26.0053, de relatoria da eminente Desembargadora Vera Angrisani, com a seguinte ementa: “AÇÃO DECLARATÓRIA. ISENÇÃO DE ICMS e IPVA. Portador de necessidade especial paralisia cerebral-. A pessoa deficiente pode ser autorizada a adquirir um veículo automotor em seu nome, com o benefício fiscal, a ser utilizado para seu uso próprio, embora dirigido por terceiro. Precedentes desta Corte de Justiça. Sentença mantida. Recurso improvido”. 

E acrescenta o venerando acórdão, por esclarecedor: 

“[…]. Bate-se a Fazenda, em especial, na tese de que a isenção só tem validade para o deficiente condutor não sendo extensível a terceira pessoa. 

Inicialmente, devidamente demonstrado no caso ser a autora portadora de deficiência em caráter permanente, tendo redução de função mental, necessitando, em razão disso, de acompanhamento para locomoção. 

Observe-se que na aquisição do veículo fora reconhecida a isenção relativa ao imposto do IPI (fls. 28/30). 

Com efeito, a benesse fiscal buscada pela autora está no critério de interpretação harmoniosa do art. 19, anexo I do RICMS-2000, que dispõe sobre a concessão de isenção de ICMS na aquisição de veículos aos motoristas que, embora portadores de deficiências físicas possam dirigir automóvel com as adaptações necessárias, e o princípio da igualdade, previsto no art. 5º da Constituição Federal, no que concerne às normas que asseguram a proteção especial às pessoas deficientes (art. 7º, XXXI; art. 23, II; 24, XIV; 37, VIII; 203, IV e V; 208, III; 227, II e § 2º). 

De outra banda, como é sabido, em matéria tributária, interpreta-se literalmente a legislação que dispunha sobre outorga de isenção fiscal, nos termos do art. 111, inc. II, do CTN. 

Logo, depreende-se dos dispositivos legais acima transcritos que a concessão de isenção fiscal relativa ao IPVA e ao ICMS decorre da necessidade do portador de necessidade especial ter que utilizar de veículo automotor adaptado às suas necessidades em razão de sua deficiência. 

Ocorre que a limitação imposta na legislação estadual, restringindo a concessão de isenção fiscal apenas a um grupo de deficientes, qual seja, os deficientes físicos ou paraplégicos que necessitem de veículo adaptado, não está em consonância com a ratio legis do benefício fiscal, que é propiciar uma melhoria nas condições de vida dos portadores de deficiência, buscando meios que atenuem as dificuldades por eles encontradas, como, no caso, facilitando a locomoção dessas pessoas para melhor integrá-las ao convívio social. 

Dessa feita, não se sustenta a limitação imposta pela legislação antes referida vez que patente seu desencontro com os princípios da igualdade e dignidade da pessoa humana, posto que cria distinção entre os portadores de deficiência com a concessão de benefício apenas àqueles que são portadores de deficiência física, limitando aqueles que dependem de terceiros para se verem inseridos na sociedade, situação em que se enquadra a autor que, por ser portadora de paralisia cerebral, não tem condições de conduzir um veículo automotor, embora dele dependa inclusive para continuar seu tratamento de saúde. Outrossim, diga-se, em razão da deficiência da autora há que se considerar ainda sua limitação em poder se valer do transporte público. 

Não obstante, em precedente desta Colenda Quarta Câmara de Direito Público em caso similar, ou seja, na Apelação nº 0025903-03.2010.8.26.0482, com a participação deste relator como 3º Juiz, designado para a relatoria do acórdão o eminente Desembargador Thales do Amaral, já se decidiu: “MANDADO DE SEGURANÇA DEFICIENTE FÍSICO NÃO CONDUTOR AQUISIÇÃO DE VEÍCULO IPVA ISENÇÃO ADMISSIBILIDADE RECURSOS IMPROVIDOS. O princípio da isonomia alberga a pretensão de aquisição de veículo automotor, por deficiente físico não condutor, com a isenção de IPVA, não havendo motivos para qualquer distinção entre este e aquele que pode conduzir”. 

Ainda:

“MANDADO DE SEGURANÇA Portador de Degeneração Macular Pretensão à isenção de ICMS para aquisição de veículo automotivo Terceiro Condutor Admissibilidade Observância do princípio da isonomia Sentença concessiva da segurança mantida” (Apelação nº 0030114-22.2010.8.26.0114, Rel. Des. Ferreira Rodrigues). Na mesma linha de entendimento: “Apelação nº 0004479-77.2010.8.26.0457, Rel. Des. Magalhães Coelho; Apelação nº 0012625-87.2012.8.26.0053, Rel. Des. Castilho Barbosa; Apel. 0025368-12.2012.8.26.0577, Rel. Des. Nogueira Diefenthãler; dentre outros”. 

farto o entendimento quanto à possibilidade de se conceder isenção de ICMS e IPVA ao portador de deficiência física, ainda que não seja ele o condutor do veículo a ser licenciado.

Pelo exposto, torno definitiva a tutela antecipada e JULGO PROCEDENTES OS PEDIDOS para declarar o direito da autora à isenção em relação ao ICMS e ao IPVA na aquisição de veículo automotor.

Condeno a ré, isenta de custas, ao pagamentos das despesas e honorários que arbitro em R$ 1.000,00.

Decorrido o prazo, com ou sem recurso voluntário, subam os autos para o reexame necessário.

P.R.I.C. Praia Grande, 12 de janeiro de 2016.


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